Por Almiranice Cidade […] os batistas como tópico de estudo se justificam em si mesmos, pela sua antigüidade e presença no Brasil, marcadas por um certo tipo de compromisso social e por uma certa regularidade em termos de crescimento e institucionalização. Eles são hoje a maior denominação do protestantismo de missão no Brasil, mas seu pensamento não foi ainda objeto de estudos” Israel Belo de Azevedo, 1996 Os batistas são oriundos dos movimentos puritanos separatistas que ocorreram na Inglaterra no século XVII. No Brasil, foram organizados como Igreja por colonos emigrados dos EUA, fixados em Santa Bárbara no ano de 1871. Conquanto, para a historiografia batista, até início do século XXI, o marco dos trabalhos batistas no Brasil datava a partir da organização da Primeira Igreja Batista, em Salvador, em 1882.
Essa divergência de marco fundacional dos batistas no Brasil se desenvolveu como uma polêmica anunciada pela jornalista e historiadora Betty Antunes de Oliveira, que, no mês de novembro de 1966, enviou ao O Jornal Batista um texto com o título “No primeiro centenário dos pioneiros norte-americanos”, concluindo com a seguinte afirmação: “[…] por causa do grupo de batistas vieram os missionários Bagbys e depois outros. Que sementeira magnífica![1]” Os missionários William Buck Bagby e Anne Luther Bagby chegaram ao Brasil em março de 1881 e foram alguns dos membros fundadores da Primeira Igreja Batista em Salvador, na Bahia, no dia 15 de outubro de 1882. Em 1969, três anos após o artigo de Betty Antunes, os batistas publicaram um apelo em O Jornal Batista, conclamando os membros para que começassem a contribuir para a construção do templo da Igreja de Salvador. Consideravam-a, na ocasião, como “berço dos batistas brasileiros”,[2] A partir de então, as contradições quanto ao marco inicial ficaram acentuadas dentro da denominação, ganhando visibilidade, a partir do ano de 1969, a interpretação votada e escolhida pela Convenção Batista Brasileira – CBB. Esta estabeleceu o ano de 1982 como aquele em que os batistas estariam celebrando seu centenário no Brasil. Segundo Yamabuchi (2009), o debate em torno do marco inicial dos batistas no Brasil foi protagonizado por duas figuras de representações na denominação: José Reis Pereira, pastor e líder da Convenção Batista Brasileira; e Betty Antunes de Oliveira. Essa disputa ocupou o cenário político denominacional durante as décadas de 70 e 80. Em “Breve História dos Batistas”, publicada em 1982 e de autoria do pastor José Reis Pereira, comemorava-se nesse ano o centenário dos batistas no Brasil. O autor apresentava a Primeira Igreja Batista em Santa Bárbara, que havia sido organizada em 1871, como limitada em seu escopo por manter seus cultos em língua inglesa, destinada apenas aos colonos norte- americanos naquela região. Mesmo que os colonos tivessem criado uma segunda igreja em um local chamado de Estação, essas duas instituições tinham o intuito apenas de atender às conveniências locais dos colonos, sem uma preocupação como a evangelização dos nacionais (PEREIRA, 1982). Para Betty Antunes de Oliveira, no entanto, a existência do grupo por apenas cerca de quatro décadas naquela localidade não invalida sua importância. Não se pode afirmar que o grupo não tenha existido e que não tenha feito parte da história da denominação aqui no Brasil (OLIVEIRA, 2005). Durante décadas, os debates sobre a originalidade dos primeiros batistas no Brasil foram intensos. Porém, o objetivo deste artigo não é o de elucidar as discussões em torno do marco inicial, mas apresentar de forma suscinta como os emigrados vindos do Sul dos Estados Unidos interagiram na comunidade de Santa Bárbara, no interior de São Paulo. E, também, como o núcleo de colonos batistas se organizou no Brasil como Igreja, articulando- se a partir da Junta de Missões de Richmond, nos EUA, para que essa cooperasse com os trabalhos batistas no Brasil, enviando missionários. Em 1865, o Brasil recebeu grupos de emigrados vindos dos EUA que fugiam da crise instaurada com o fim da Guerra de Secessão que durou entre 1861 e 1865. Essa emigração ocorreu logo nos primeiros anos após o final da guerra. Oliveira (2005) destacou que a emigração atingiu uma movimentação expressiva nos anos de 1867 e 1868, porém em 1871 já estava bem escassa. Santa Bárbara dos Toledos ou Santa Bárbara, como era conhecida até final do século XIX, possuía um território coberto de matas com abundância de madeiras de lei e suas terras eram próprias para agricultura, principalmente para o cultivo de algodão, da cana- de-açúcar e de cereais. Era um território denominado Região dos Toledos, que se tornou município desmembrado de Piracicaba em 1869. Além de mananciais, a região era regada pelo rio Piracicaba e seus afluentes, o ribeirão dos Toledos e o do Quilombo. Em 19 de dezembro de 1906, essa região recebeu os foros de Cidade pela Lei Estadual nº 1038 e em 30 de novembro de 1944 passou a ser reconhecida como Santa Bárbara d’Oeste (OLIVEIRA, 2005). Segundo Aguiar (2009), Santa Bárbara se desenvolveu em termos de agricultura, principalmente no cultivo do algodão, da cana-de- açúcar e da melancia. Os colonos que chegaram a Santa Barbara se inseriram na economia local nas mais variadas profissões, atuando principalemnte na lavoura, como destaca Oliveira (2005, p.43) “a agricultura passou a ser a atividade principal.” Segundo a autora mesmo os que não eram agricultores foram levados a amanhar a terra pela necessidade de subsistência. Os colonos conseguiram se inserir no circuito mercantil da região e ainda se integraram na vida social e política local. O primeiro norte-americano a tomar parte na política municipal foi Wilber Fish McKnight entre 1896-1898, como vereador na Câmara Municipal de Santa Bárbara (AGUIAR, 2009). Em 1870 entre os norte-americanos, em Santa Bárbara, já havia 40 produtores de algodão, que se utilizaram de recursos tanto do trabalho livre quanto da mão de obra escrava (AGUIAR, 2021). Os colonos norte-americanos em Santa Bárbara estiveram organizados em cinco núcleos. Nesses núcleos havia os que se reuniam em cultos segundo suas tradições denominacionais. Além do núcleo batista havia a presença de outros núcleos protestantes, como os presbiterianos e metodistas (MENDONÇA, 2005). No início cada grupo se reunia em suas casas e aos poucos foi se reunindo na casa de quem tivesse uma sala que agregasse mais pessoas, até que cada núcleo pôde ter seu próprio salão para realização dos cultos e local para ensino aos filhos de imigrantes, que segundo Clark (1988), eram escolas limitadas às esferas de influências desses colonos. O núcleo batista foi organizado como Primeira Igreja Batista no dia 10 de setembro de 1871, composto por 12 (doze) famílias, sendo um total de 29 pessoas sob a liderança do pastor Richard Ratcliff. Segundo Oliveira (2005), Ratcliff procurou instruir-se e relacionar-se quanto à vida política, civil e religiosa do Brasil e uma das medidas tomadas por ele foi registrar-se como Ministro do Evangelho na Secretaria do Império, nos termos do Decreto Imperial Nº 6.884 de 20 de abril de 1878. O pastor Ratclff retornou aos EUA com seus cinco filhos, sua esposa Eunice Ratcliff havia falecido em dezembro de 1876 (OLIVEIRA, 2005). Com isso, o pastor Elias Hoton Quillin assumiu a liderança da Primeira Igreja. Ele foi nomeado missionário da Freign Mission Board of the Southern Baptist Convention- FMB- SBC em 1879 e, no mesmo ano, em 02 de novembro foi organizada na Estação, município de Santa Bárbara, a segunda Igreja Batista, com 12 (doze) membros procedentes da primeira (OLIVEIRA, 2005). Em 1880, os batistas contaram com o apoio do ex-padre Antonio Teixeira de Albuquerque, que foi batizado e ordenado ao ministério pastoral, na presença de uma congregação de americanos e brasileiros, na Igreja da Estação. Como Albuquerque não foi nomeado missionário da Foreign Mission Board – Southern Baptist Convention, seu nome não aparece como pastor na história dos batistas (OLIVEIRA, 2005). A FMB-SBC foi o órgão responsável pela nomeação e envios de missionários para o Brasil, além do sustento financeiro desses missionários, criou seminários teológicos com o objetivo de preparar obreiros para servirem tanto nas igrejas batistas quanto no campo missionário. O pastor E. H. Quillin serviu às duas igrejas no Brasil por cerca de quatro anos. Ele mantinha contato com a Convenção americana para que ela promovesse uma emigração voluntária e em seus escritos sobre o Brasil o descrevia como um país promissor para uma projeção missionária. Em uma de suas informações à FMB-SBC, quanto às Igrejas em Santa Bárbara, Quillin fez apelo para que a Convenção despertasse para uma consideração especial à nação brasileira e, havendo um pastor que desejasse realizar um grande movimento no campo missionário, o Brasil era um país de ricas terras.[3] Atendendo aos pedidos do pastor Quillin, a FMB-SBC nomeou o missionário W. B. Bagby e a esposa dele, Anne Luther Bagby, para a missão no Brasil. O casal chegou a Santa Bárbara no dia 07 de março de 1881. O missionário Z. C. Taylor e sua esposa Kate Crawford chegaram ao Brasil em 23 de janeiro de 1882, com a tarefa de auxiliar os Bagby. O ex-padre Antonio Teixeira de Albuquerque foi o mestre de português dos missionários, segundo relato em O Jornal Batista[4]. Os missionários sairam do interior de São Paulo em 1882 para fixarem-se em Salvador, porém W. Bagby realizava as viagens para Santa Bárbara com objetivo de dar suporte à igreja naquela localidade e no dia 16 de agosto de 1885 Edwin Herbert Soper assumiu o pastorado da igreja, permanecendo ali apenas por um ano. Edward Allen Puthuff tornou-se um dos pastores da Igreja de 1886 até 1888. As igrejas em Santa Bárbara tiveram a sua vida administrativa limitada a um tempo em média de 38 anos (OLIVEIRA, 2005). Segundo Azevedo (1996, p. 5), “[…] não dá para ignorar o pensamento de um grupo religioso como os batistas, nascidos na Inglaterra no período elisabetano, desenvolvidos nas colônias e estados norte-americanos e inseridos no Brasil imperial”. A historiografia dos batistas tem sido pouco explorada e ainda há muito que se investigar acerca desse grupo religioso com mais de quatro séculos de história. NOTAS: [1] OLIVEIRA, B. Antunes. O Jornal Batista. Ano- LXVI n 48 – Novembro/1966, p. 6. [2] O Jornal Batista. Ano LXIX n. 21 – Maio/1969, p 2. [3] O Jornal Batista, n 5 ano LXVII. Janeiro/1067, p. 5 [4] Jornal Batista, ano V. N 24. Outubro/1905, p 7-8 Referências: AGUIAR, Letícia. Imigrantes norte-americanos no Brasil: mito e realidade, o caso de Santa Bárbara. 2009. XX p. Dissertação (Mestrado). Instituto de Economia. Universidade Estadual de campinas – UNICAMP. São Paulo – SP, 2009. AGUIAR, Letícia. Famílias de empreendedores norte-americanos em Santa Bárbara d’Oeste, 1866-1900. Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. São Paulo – SP, 2012. AZEVEDO, Israel Belo de. A celebração do indivíduo: a formação do Pensamento Batista Brasileiro. Piracicaba: UNIMEP; São Paulo: Exodus, 1996. CLARK, Jorge Uilson. A imigração norte-americana para a região de Campinas: análise da educação liberal no contexto histórico e educacional brasileiro. Dissertação (Mestrado), UNICAMP, 1998. MENDONÇA, Antonio Golvêa. O Protestantismo no Brasil e suas encruzilhadas. Revista USP, São Paulo, n.67, p. 48-67, setembro/novembro 2005. OLIVEIRA, Betty Antunes de. Centelha em Restolho Seco. Uma contribuição para a história dos primórdios do trabalho Batista no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Vida Nova, 2005. PEREIRA, J. Reis. Breve História dos Batistas. Rio de Janeiro,: Juerp, 1982. YAMABUCHI, Alberto Kenji. O debate sobre a história das origens do trabalho batista no Brasil: uma análise das relações e dos conflitos de gênero e poder na Convenção Batista Brasileira dos anos 1960-1980. XX p. Tese (Doutorado). Universidade Metodista de São Paulo, 2009. Sobre a Autora ALMIRANICE CIDADE Mestranda em História do Atlântico e da Diáspora Africana pela Universidade Estadual de Santa Cruz; Especialista em Psicopedagogia Institucional Faculdade de Tecnologia e Ciências- FTC; Bacharela em Teologia pela Faculdade de Ciências, Educação e Teologia do Norte do Brasil- FACETEN, licenciada em História pela Universidade Estadual de Santa Cruz- UESC, Coordenadora pedagógica e secretária na Instituição Igreja Batista Filadélfia em Ilhéus-Bahia. Docente no Seminário Teológico Batista do Nordeste-STBNe, polo em Itabuna, Bahia. |
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