SINTO-ME BASTANTE confortável para escrever o prefácio à edição brasileira da presente obra. Primeiramente, por ser o consultor acadêmico da Verbum Publicações, tendo indicado este trabalho para a publicação. Em segundo lugar, por ter sido o revisor e editor do texto. Em terceiro lugar, por ensinar Teologia e estar familiarizado com o tema. Em último lugar, mas não menos importante, por ser pastor Batista e servir a Deus em igrejas da Convenção Batista Brasileira há anos.
Meu primeiro contato com "Todos podem ser salvos" levantou a suspeita de que a motivação original da obra é igualmente aplicável ao contexto batista brasileiro – e não apenas batista –, justificando sua publicação em terras tupiniquins.
O Dr. Adam Harwood diz na introdução que a “ideia deste livro foi motivada por uma reação” de líderes calvinistas da Convenção Batista do Sul. O espírito de cooperação entre os batistas deve expressar a comunhão real entre verdadeiros irmãos, filhos do mesmo Deus, mesmo que haja divergências teológicas entre eles. É evidente que as questões envolvidas na disputa soteriológica entre calvinistas e não calvinistas acaba gerando “mais calor do que luz”, mas não há motivo para evitar a comunhão com um crente que discorda nessa área.
Ser calvinista ou não calvinista jamais deveria ser considerado um “selo de pureza teológica”. As doutrinas fundamentais da fé cristã foram reconhecidas nos quatro primeiros Concílios Ecumênicos da Igreja, e, apesar do Concílio de Éfeso (431) ter condenado o pelagianismo, não endossou o agostinianismo – que é o embrião do sistema calvinista. Assim, cristãos que rejeitam os pressupostos humanistas de Pelágio e seus discípulos, e afirmam a absoluta necessidade da graça para a salvação do pecador, sejam calvinistas ou não, estão dentro dos limites da ortodoxia. Por isso, calvinistas e não calvinistas serviram juntos por décadas na Convenção Batista do Sul. O Dr. Allen diz em um dos seus ensaios: “Nós tivemos ambos desde o primeiro dia”. Por isso, ele clama: “livrem-nos de tentar calvinizar ou descalvinizar a Convenção Batista do Sul”.
A realidade no Brasil, hoje, não é muito diferente. Embora a atual Declaração Doutrinária, em vigor desde sua aprovação na 15ª sessão da 67ª Assembleia da Convenção Batista Brasileira (CBB), realizada no dia 22 de janeiro de 1986, em Campo Grande/MS, seja claramente não calvinista, vigorou por setenta anos – de 1916 a 1986 – um documento doutrinal de teor calvinista, ainda que moderado: a Confissão de Fé dos Batistas do Brasil, que foi o nome dado pelos batistas brasileiros à Confissão de Fé de New Hampshire. Nas palavras do Dr. John Landers, esta era “mais sucinta, mais simples e menos calvinista” em relação à Confissão de Filadélfia, que se assemelhava à Confissão de Fé Batista de 1689. Assim, a Confissão de New Hampshire (1833) foi uma tentativa de minimizar os excessos do calvinismo puritano constante na Confissão de Filadélfia (1742), formulada pela Associação Batista Filadélfia com base na antiga Confissão Londrina de 1689, a segunda confissão de fé dos batistas particulares ingleses.
Portanto, a confissão de fé que chegou ao Brasil representa um calvinismo bastante brando, substituído posteriormente pela atual declaração, que eliminou qualquer resquício calvinista remanescente do documento anterior. Isso apenas refletia aquilo que a maior parte da liderança batista brasileira sempre foi: não calvinista. Tal observação não pode passar despercebida.
O primeiro texto na área de Teologia Sistemática que foi escrito especificamente para a formação de obreiros batistas em território brasileiro é de autoria do missionário Alva Bee Langston, a saber, seu Esboço de Teologia Sistemática, dedicado “à primeira geração de pregadores batistas brasileiros”. Nesta obra, o autor afirma que onisciência divina não alija a liberdade do homem e, ao afirmar que – apesar das influências externas – é a própria pessoa que determina a ação que vai tomar, Langston critica o que chama de “quatro teorias errôneas”: fatalismo, predeterminismo, necessarianismo e determinismo. Ele ainda ensina a corrupção como resultado da queda e a depravação como “a falta de uma justiça original e uma tendência para o mal”. O autor nega que a soberania divina em relação à salvação leve Deus a predestinar algumas pessoas para a salvação e outras para a condenação. Antes, ela significa apenas que Deus é quem toma a iniciativa na salvação do pecador, a ninguém privando desse privilégio. Afirma que a predestinação tem a ver com a condição e o meio para a salvação, e que o homem, mesmo após a queda, permanece dotado de livre-arbítrio. Langston ainda faz questão de esclarecer que a morte espiritual do homem como consequência do pecado não o torna inativo ou incapaz de pensar e agir. Trata-se de uma metáfora paulina para evocar a separação entre o homem e Deus, comparando-a com a separação entre o corpo e o espírito.
Menciono Langston como exemplo, apenas para mostrar que desde os primórdios da denominação no Brasil, bem antes da formulação da Declaração Doutrinaria de 1986, a soteriologia expressa nesta já era adotada pelos batistas, inclusive, nos Seminários para a formação dos pastores.
Muitos líderes de projeção da denominação – antes e depois da Assembleia de 1986 – abraçavam a teologia expressa na Declaração Doutrinária da CBB: David Gomes, Isaque Nunes Pinheiro, Darci Dusilek, Isaltino Gomes Coelho Filho, João Falcão Sobrinho, Delcyr de Souza Lima, Ebenézer Soares Ferreira, Zaqueu Moreira de Oliveira, Roberto do Amaral Silva, Fausto Aguiar de Vasconcelos, Zacarias de Aguiar Severa e Israel Belo de Azevedo, para citar apenas alguns.
Claro, nem todos os pastores e mestres batistas aqui no Brasil se posicionavam contrários à soteriologia calvinista. William Carey Taylor, missionário que serviu como professor nos dois maiores Seminários da denominação – o Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil, em Recife, e o Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, no Rio de Janeiro – demonstra com clareza sua posição soteriológica ao comentar João 10.26. Isso apenas revela como, à semelhança da Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos, por aqui também tivemos ambos – calvinistas e não calvinistas – desde cedo. Mais uma vez, ser calvinista ou não calvinista jamais deveria ser uma credencial teológica de ortodoxia entre os batistas. Tenho irmãos em Cristo, colegas de ministério, que servem livremente no seio da denominação mesmo sem concordar com alguns pontos da Declaração Doutrinária da CBB. Alguns são calvinistas. São menos batistas por isso? Não haveria espaço para eles? Por quê?
Tomo novamente o pensamento do Dr. Allen. Temos muitos pontos de concordância – como a suficiência e a inerrância das Escrituras, a crença na queda e pecaminosidade do homem, a exclusividade do evangelho e a salvação pela graça somente, mediante a fé em Cristo somente. Não obstante, infelizmente, testemunhamos alguns casos de falta de tolerância em ambos os lados. Justamente em uma denominação que preza pela liberdade de consciência e pela responsabilidade individual diante de Deus como princípios fundantes! Felizmente, são apenas “alguns casos”.
A presente obra não pretende ser um ataque aos batistas de tradição calvinista; apenas uma defesa da soteriologia não calvinista, exposada pela maioria dos pastores da Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos, e, também, da Convenção Batista Brasileira.
Acredito que sua publicação em língua portuguesa acrescentará muito ao debate. Em primeiro lugar, pelo tom respeitoso como é escrita. Manifesta convicção profunda sem diminuir a visão contrária, ou depreciar seus adeptos. Em segundo lugar, pela erudição dos autores nas áreas bíblica, teológica, histórica e filosófica. Até mesmo nas questões que eu particularmente não concordo, reconheço a força dos argumentos apresentados.
Ela está dividida em três partes. A primeira parte é composta de três textos introdutórios que ajudam a compreender o contexto do documento que reafirma a soteriologia não calvinista dos Batistas do Sul. O primeiro ensaio é escrito por David Allen, que atualiza o debate sobre o calvinismo atualmente na Convenção Batista do Sul, ao mesmo tempo que tece oportunas sugestões para que essa discussão seja frutífera, preservando a unidade do povo batista. No texto seguinte, Eric Hankins expõe as razões que o levaram a elaborar a Declaração Tradicional. O terceiro artigo é, na verdade, a reprodução integral do documento.
A segunda parte é constituída dez capítulos. Em cada capítulo é comentado um artigo da Declaração. Trata-se de uma seleção de ensaios que expõe as principais fraquezas do calvinismo quanto à doutrina da salvação, ao mesmo tempo que oferece sólida fundamentação bíblica para as doutrinas que defende. O primeiro capítulo, de autoria do Dr. David Hankins, comenta a afirmação do Artigo 1, a saber, que através do evangelho qualquer pessoa pode ser salva. No capítulo seguinte, Harwood comenta o Artigo 2, afirmando a pecaminosidade do homem, mas negando que o livre-arbítrio tenha sido perdido na queda e que a culpa seja herdada juntamente com a inclinação natural ao pecado. Em seguida, David Allen comenta o Artigo 3, sobre a expiação, negando que esta seja limitada a um grupo específico, os eleitos. Para isso, ele discorre sobre a intenção, a extensão e a aplicação da obra da cruz. O Dr. Brad Reynolds comenta o Artigo 4, afirmando a absoluta necessidade da graça para a salvação do pecador, embora ela não seja irresistível. O Artigo 5 é comentado no capítulo seguinte por Ronnie Rogers, respaldando biblicamente a doutrina de que a fé precede a regeneração, e não o contrário, como postula o calvinismo. A doutrina da eleição é o tema do Artigo 6, comentado por Eric Hankins. O autor apresenta uma visão que difere da proposta calvinista de eleição, tendo como base o desejo salvífico universal de Deus. Hankins desenvolve seu argumento pontuando o porquê, onde, como, quem, quando e o que é a eleição. Traz ainda importantes raios de luz para a compreensão de Romanos 9–11. O Artigo 7 trata da soberania de Deus e é comentado pelo Dr. Steve Lemke. Neste ensaio, Lemke demonstra a harmonia entre a presciência divina de todas as coisas e o livre-arbítrio humano. No capítulo seguinte, o Dr. Braxton Hunter, comentando o Artigo 8 da Declaração, apresenta o livre-arbítrio libertário como sendo mais razoável e consistente com os dados bíblicos do que a proposta do determinismo compatibilista. O Dr. Steve Horn é quem comenta o Artigo 9 sobre a segurança eterna dos salvos. O último capítulo dessa parte, sobre o Artigo 10, trata da Grande Comissão e é escrito pelo Dr. Preston Nix.
A última parte da obra traz dois oportunos capítulos. No penúltimo, Harwood demonstra o absurdo da acusação feita por alguns teólogos, segundo os quais a Declaração é semipelagiana. Comparando os cânones do Sínodo de Orange (529) com a Declaração Tradicional, o autor demonstra que não há qualquer razoabilidade na acusação, mesmo porque a soteriologia batista enfatiza a necessidade de um movimento primeiro da graça de Deus em direção ao pecador. No último capítulo da obra, Lemke apresenta cinco perspectivas filosóficas que buscam compreender a relação entre a soberania divina e a liberdade humana: o determinismo duro, o determinismo suave, o molinismo, o livre-arbítrio libertário suave e o livre-arbítrio libertário forte.
Estou convicto de que a leitura do presente trabalho será enriquecedora e fortalecerá o crente – batista ou não – com nutrientes para a formação de uma sólida teologia bíblica da salvação.
Por fim, esforcei-me para fazer um bom trabalho de revisão. Busquei encontrar todas as citações de obras publicadas em nosso vernáculo, e que estão disponíveis em minha biblioteca particular, indicando a edição brasileira e página no rodapé, de maneira que o leitor possa localizá-las com maior facilidade. Julguei ser útil inserir algumas poucas notas que ajudassem o leitor a acompanhar o raciocínio dos autores. Em ambos os casos, assinalo ser nota do revisor.
Estou satisfeito com o trabalho de edição do primeiro livro estrangeiro que indiquei à Verbum para publicação. E convicto de que você também ficará satisfeito. Boa leitura!
Thiago Velozo Titillo
Especialista em Teologia Bíblica e Sistemática-Pastoral (FABAT-RJ), Bacharel em Teologia (Seminário Teológico Betel) e Licenciado em Letras (UNESA). Pastor Batista e Professor dos Seminários Teológicos Betel e Evangélico Peniel.
* As notas do Prefácio foram propositalmente omitidas para a publicação nas redes sociais.
Meu primeiro contato com "Todos podem ser salvos" levantou a suspeita de que a motivação original da obra é igualmente aplicável ao contexto batista brasileiro – e não apenas batista –, justificando sua publicação em terras tupiniquins.
O Dr. Adam Harwood diz na introdução que a “ideia deste livro foi motivada por uma reação” de líderes calvinistas da Convenção Batista do Sul. O espírito de cooperação entre os batistas deve expressar a comunhão real entre verdadeiros irmãos, filhos do mesmo Deus, mesmo que haja divergências teológicas entre eles. É evidente que as questões envolvidas na disputa soteriológica entre calvinistas e não calvinistas acaba gerando “mais calor do que luz”, mas não há motivo para evitar a comunhão com um crente que discorda nessa área.
Ser calvinista ou não calvinista jamais deveria ser considerado um “selo de pureza teológica”. As doutrinas fundamentais da fé cristã foram reconhecidas nos quatro primeiros Concílios Ecumênicos da Igreja, e, apesar do Concílio de Éfeso (431) ter condenado o pelagianismo, não endossou o agostinianismo – que é o embrião do sistema calvinista. Assim, cristãos que rejeitam os pressupostos humanistas de Pelágio e seus discípulos, e afirmam a absoluta necessidade da graça para a salvação do pecador, sejam calvinistas ou não, estão dentro dos limites da ortodoxia. Por isso, calvinistas e não calvinistas serviram juntos por décadas na Convenção Batista do Sul. O Dr. Allen diz em um dos seus ensaios: “Nós tivemos ambos desde o primeiro dia”. Por isso, ele clama: “livrem-nos de tentar calvinizar ou descalvinizar a Convenção Batista do Sul”.
A realidade no Brasil, hoje, não é muito diferente. Embora a atual Declaração Doutrinária, em vigor desde sua aprovação na 15ª sessão da 67ª Assembleia da Convenção Batista Brasileira (CBB), realizada no dia 22 de janeiro de 1986, em Campo Grande/MS, seja claramente não calvinista, vigorou por setenta anos – de 1916 a 1986 – um documento doutrinal de teor calvinista, ainda que moderado: a Confissão de Fé dos Batistas do Brasil, que foi o nome dado pelos batistas brasileiros à Confissão de Fé de New Hampshire. Nas palavras do Dr. John Landers, esta era “mais sucinta, mais simples e menos calvinista” em relação à Confissão de Filadélfia, que se assemelhava à Confissão de Fé Batista de 1689. Assim, a Confissão de New Hampshire (1833) foi uma tentativa de minimizar os excessos do calvinismo puritano constante na Confissão de Filadélfia (1742), formulada pela Associação Batista Filadélfia com base na antiga Confissão Londrina de 1689, a segunda confissão de fé dos batistas particulares ingleses.
Portanto, a confissão de fé que chegou ao Brasil representa um calvinismo bastante brando, substituído posteriormente pela atual declaração, que eliminou qualquer resquício calvinista remanescente do documento anterior. Isso apenas refletia aquilo que a maior parte da liderança batista brasileira sempre foi: não calvinista. Tal observação não pode passar despercebida.
O primeiro texto na área de Teologia Sistemática que foi escrito especificamente para a formação de obreiros batistas em território brasileiro é de autoria do missionário Alva Bee Langston, a saber, seu Esboço de Teologia Sistemática, dedicado “à primeira geração de pregadores batistas brasileiros”. Nesta obra, o autor afirma que onisciência divina não alija a liberdade do homem e, ao afirmar que – apesar das influências externas – é a própria pessoa que determina a ação que vai tomar, Langston critica o que chama de “quatro teorias errôneas”: fatalismo, predeterminismo, necessarianismo e determinismo. Ele ainda ensina a corrupção como resultado da queda e a depravação como “a falta de uma justiça original e uma tendência para o mal”. O autor nega que a soberania divina em relação à salvação leve Deus a predestinar algumas pessoas para a salvação e outras para a condenação. Antes, ela significa apenas que Deus é quem toma a iniciativa na salvação do pecador, a ninguém privando desse privilégio. Afirma que a predestinação tem a ver com a condição e o meio para a salvação, e que o homem, mesmo após a queda, permanece dotado de livre-arbítrio. Langston ainda faz questão de esclarecer que a morte espiritual do homem como consequência do pecado não o torna inativo ou incapaz de pensar e agir. Trata-se de uma metáfora paulina para evocar a separação entre o homem e Deus, comparando-a com a separação entre o corpo e o espírito.
Menciono Langston como exemplo, apenas para mostrar que desde os primórdios da denominação no Brasil, bem antes da formulação da Declaração Doutrinaria de 1986, a soteriologia expressa nesta já era adotada pelos batistas, inclusive, nos Seminários para a formação dos pastores.
Muitos líderes de projeção da denominação – antes e depois da Assembleia de 1986 – abraçavam a teologia expressa na Declaração Doutrinária da CBB: David Gomes, Isaque Nunes Pinheiro, Darci Dusilek, Isaltino Gomes Coelho Filho, João Falcão Sobrinho, Delcyr de Souza Lima, Ebenézer Soares Ferreira, Zaqueu Moreira de Oliveira, Roberto do Amaral Silva, Fausto Aguiar de Vasconcelos, Zacarias de Aguiar Severa e Israel Belo de Azevedo, para citar apenas alguns.
Claro, nem todos os pastores e mestres batistas aqui no Brasil se posicionavam contrários à soteriologia calvinista. William Carey Taylor, missionário que serviu como professor nos dois maiores Seminários da denominação – o Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil, em Recife, e o Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, no Rio de Janeiro – demonstra com clareza sua posição soteriológica ao comentar João 10.26. Isso apenas revela como, à semelhança da Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos, por aqui também tivemos ambos – calvinistas e não calvinistas – desde cedo. Mais uma vez, ser calvinista ou não calvinista jamais deveria ser uma credencial teológica de ortodoxia entre os batistas. Tenho irmãos em Cristo, colegas de ministério, que servem livremente no seio da denominação mesmo sem concordar com alguns pontos da Declaração Doutrinária da CBB. Alguns são calvinistas. São menos batistas por isso? Não haveria espaço para eles? Por quê?
Tomo novamente o pensamento do Dr. Allen. Temos muitos pontos de concordância – como a suficiência e a inerrância das Escrituras, a crença na queda e pecaminosidade do homem, a exclusividade do evangelho e a salvação pela graça somente, mediante a fé em Cristo somente. Não obstante, infelizmente, testemunhamos alguns casos de falta de tolerância em ambos os lados. Justamente em uma denominação que preza pela liberdade de consciência e pela responsabilidade individual diante de Deus como princípios fundantes! Felizmente, são apenas “alguns casos”.
A presente obra não pretende ser um ataque aos batistas de tradição calvinista; apenas uma defesa da soteriologia não calvinista, exposada pela maioria dos pastores da Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos, e, também, da Convenção Batista Brasileira.
Acredito que sua publicação em língua portuguesa acrescentará muito ao debate. Em primeiro lugar, pelo tom respeitoso como é escrita. Manifesta convicção profunda sem diminuir a visão contrária, ou depreciar seus adeptos. Em segundo lugar, pela erudição dos autores nas áreas bíblica, teológica, histórica e filosófica. Até mesmo nas questões que eu particularmente não concordo, reconheço a força dos argumentos apresentados.
Ela está dividida em três partes. A primeira parte é composta de três textos introdutórios que ajudam a compreender o contexto do documento que reafirma a soteriologia não calvinista dos Batistas do Sul. O primeiro ensaio é escrito por David Allen, que atualiza o debate sobre o calvinismo atualmente na Convenção Batista do Sul, ao mesmo tempo que tece oportunas sugestões para que essa discussão seja frutífera, preservando a unidade do povo batista. No texto seguinte, Eric Hankins expõe as razões que o levaram a elaborar a Declaração Tradicional. O terceiro artigo é, na verdade, a reprodução integral do documento.
A segunda parte é constituída dez capítulos. Em cada capítulo é comentado um artigo da Declaração. Trata-se de uma seleção de ensaios que expõe as principais fraquezas do calvinismo quanto à doutrina da salvação, ao mesmo tempo que oferece sólida fundamentação bíblica para as doutrinas que defende. O primeiro capítulo, de autoria do Dr. David Hankins, comenta a afirmação do Artigo 1, a saber, que através do evangelho qualquer pessoa pode ser salva. No capítulo seguinte, Harwood comenta o Artigo 2, afirmando a pecaminosidade do homem, mas negando que o livre-arbítrio tenha sido perdido na queda e que a culpa seja herdada juntamente com a inclinação natural ao pecado. Em seguida, David Allen comenta o Artigo 3, sobre a expiação, negando que esta seja limitada a um grupo específico, os eleitos. Para isso, ele discorre sobre a intenção, a extensão e a aplicação da obra da cruz. O Dr. Brad Reynolds comenta o Artigo 4, afirmando a absoluta necessidade da graça para a salvação do pecador, embora ela não seja irresistível. O Artigo 5 é comentado no capítulo seguinte por Ronnie Rogers, respaldando biblicamente a doutrina de que a fé precede a regeneração, e não o contrário, como postula o calvinismo. A doutrina da eleição é o tema do Artigo 6, comentado por Eric Hankins. O autor apresenta uma visão que difere da proposta calvinista de eleição, tendo como base o desejo salvífico universal de Deus. Hankins desenvolve seu argumento pontuando o porquê, onde, como, quem, quando e o que é a eleição. Traz ainda importantes raios de luz para a compreensão de Romanos 9–11. O Artigo 7 trata da soberania de Deus e é comentado pelo Dr. Steve Lemke. Neste ensaio, Lemke demonstra a harmonia entre a presciência divina de todas as coisas e o livre-arbítrio humano. No capítulo seguinte, o Dr. Braxton Hunter, comentando o Artigo 8 da Declaração, apresenta o livre-arbítrio libertário como sendo mais razoável e consistente com os dados bíblicos do que a proposta do determinismo compatibilista. O Dr. Steve Horn é quem comenta o Artigo 9 sobre a segurança eterna dos salvos. O último capítulo dessa parte, sobre o Artigo 10, trata da Grande Comissão e é escrito pelo Dr. Preston Nix.
A última parte da obra traz dois oportunos capítulos. No penúltimo, Harwood demonstra o absurdo da acusação feita por alguns teólogos, segundo os quais a Declaração é semipelagiana. Comparando os cânones do Sínodo de Orange (529) com a Declaração Tradicional, o autor demonstra que não há qualquer razoabilidade na acusação, mesmo porque a soteriologia batista enfatiza a necessidade de um movimento primeiro da graça de Deus em direção ao pecador. No último capítulo da obra, Lemke apresenta cinco perspectivas filosóficas que buscam compreender a relação entre a soberania divina e a liberdade humana: o determinismo duro, o determinismo suave, o molinismo, o livre-arbítrio libertário suave e o livre-arbítrio libertário forte.
Estou convicto de que a leitura do presente trabalho será enriquecedora e fortalecerá o crente – batista ou não – com nutrientes para a formação de uma sólida teologia bíblica da salvação.
Por fim, esforcei-me para fazer um bom trabalho de revisão. Busquei encontrar todas as citações de obras publicadas em nosso vernáculo, e que estão disponíveis em minha biblioteca particular, indicando a edição brasileira e página no rodapé, de maneira que o leitor possa localizá-las com maior facilidade. Julguei ser útil inserir algumas poucas notas que ajudassem o leitor a acompanhar o raciocínio dos autores. Em ambos os casos, assinalo ser nota do revisor.
Estou satisfeito com o trabalho de edição do primeiro livro estrangeiro que indiquei à Verbum para publicação. E convicto de que você também ficará satisfeito. Boa leitura!
Thiago Velozo Titillo
Especialista em Teologia Bíblica e Sistemática-Pastoral (FABAT-RJ), Bacharel em Teologia (Seminário Teológico Betel) e Licenciado em Letras (UNESA). Pastor Batista e Professor dos Seminários Teológicos Betel e Evangélico Peniel.
* As notas do Prefácio foram propositalmente omitidas para a publicação nas redes sociais.