Ginsburg foi um judeu polonês que se converteu ao evangelho; contudo, foi na cidade de Londres que ele foi consagrado missionário. Veio para o Brasil como ministro “indenominacional, por volta de 1882”, sendo posteriormente, em 1891, consagrado ministro batista na Bahia. O período de sua atuação missionária que nos é relevante tem início no ano de 1892, com a organização da Primeira Igreja Batista do Recife, marco que, de certa forma, produziu ânimo e impulso na propagação do evangelho na capital pernambucana. Sendo de origem judaica e missionário protestante, Ginsburg trazia para si uma dupla rejeição por parte dos clérigos católicos. Sua atuação pastoral se deu mais na capital recifense; todavia, não deixou de atuar em algumas cidades do interior. Do seu ministério julgamos importante ressaltar alguns pontos. Primeiro, particularmente no interior, destaca-se a oposição, via de regra, regada com violência física. O primeiro pregador batista mandado por ele para a cidade de Limoeiro (70 km do Recife), após o culto que realizou, foi amarrado e colocado no primeiro trem que deixava a cidade e advertido que, se voltasse, seria bem pior [1]. O próprio Salomão foi alvo de um atentado quando ia visitar o vilarejo Moganga, perto da cidade de Nazaré da Mata (50 km do Recife). O conhecido frei italiano, Celestino de Pedávoli, havia contratado um conhecido e procurado chefe de cangaceiros, conhecido como Capitão Antônio Silvino [2], o qual agia como uma espécie de Robin Hood do Nordeste, roubando e até matando pessoas consideradas ricas para “dividir parte com os pobres”. Deus fez com que aquele missionário se encontrasse com o seu assassino contratado nas primeiras horas da manhã, sem que um soubesse quem era o outro. Salomão parou seu cavalo, cumprimentou o homem, conversou amenidades, deu bom dia e foi ao vilarejo. O cangaceiro resolveu primeiro estar presente ao culto que o missionário iria realizar, antes de matá-lo. Após o culto, já na casa em que se hospedava, Salomão recebeu a visita do criminoso, agora já identificado. Tenso, ele orou a Deus, pensando que ia morrer, e perguntou ao cangaceiro: “Por que você não leva a efeito seu intento?” Um diálogo se travou, e o capitão Silvino disse: “Não, eu não quero matá-lo. Eu não quero matar um homem como o senhor… resolvi saber mais alguma coisa a seu respeito. Estava presente enquanto o senhor estava pregando, ensinando, orando e cantando, e digo-lhe que não vou matar um homem que está fazendo uma obra tão boa” [3]. O segundo aspecto importante foi o uso da evangelização por amizade [4]. É surpreendente constatar que Salomão, como pastor, já incentivava os membros da sua igreja a serem pregadores do evangelho aos amigos e vizinhos. Registramos o exemplo desse precioso pioneirismo de evangelização urbana nas palavras do próprio Ginsburg: “Nos domingos pela manhã […], depois do culto eu suplicava com os crentes que não voltassem para o culto da noite, mas que pregassem aos seus vizinhos nos subúrbios onde habitavam, e assim deixavam suas casas e iam a muitos lugares onde havia almas ansiosas pela Palavra do Evangelho” [5]. O terceiro aspecto diz respeito à opção de trabalho em equipe e envolvimento de obreiros leigos, estratégia que foi ampla e continuamente utilizada pelo apóstolo Paulo e sistematizada para o nosso contexto mais moderno por autores como Hesselgrave, através do que ele intitulou ciclo paulino [6], e também por Michael Green, em sua clássica obra Evangelização na igreja primitiva [7]. Logo no nascedouro do trabalho missionário batista em Pernambuco, Salomão mencionou a presença de mais dois colegas trabalhando juntos no Recife: os pastores C. A. Daniel e Z. C. Taylor, formando uma liderança tríplice. Todavia, é importante afirmar que a sua atuação missionária não privilegiava ministros ordenados. Ginsburg, além de incentivar obreiros leigos, lançava mão deles nos trabalhos pioneiros, como foi o caso do Dr. Entzminger “que tomou a liderança de um grupo de crentes, pequeno, mas valoroso, e edificou duradouro trabalho. Ele estabeleceu igrejas e pontos de pregação que têm resistido às intempéries”[8]. Como quarto e último aspecto, salientamos a visão para treinar e preparar obreiros brasileiros, tendo Salomão destacado a vantagem da existência do Colégio Mackenzie, em São Paulo [9]. Por abraçar a opção de investir em brasileiros, o resultado foi uma considerável expansão do trabalho batista nas capitais e também no interior. Cidades como Nazaré da Mata, Timbaúba, Limoeiro e outras que foram intencionalmente selecionadas por oferecem boas condições para plantação de igreja por parte de brasileiros e se tornarem no futuro outros celeiros missionários. O relatório da Junta de Missões Batista já registrava, em 1920, a presença no Brasil de 197 obreiros nativos contra 86 missionários estrangeiros [10]. [1] José dos Reis Pereira, História dos batistas no Brasil – 1882-1982 (Rio de Janeiro: JUERP, 1982), p. 142. [2] Tarsier, História das perseguições religiosas no Brasil, p. 199. [3] Ibid., p. 149-154. [4] Esta proposta só veio tomar forma mais ampla, como estratégia de evangelização urbana, através dos escritos recentes de Aldrich. Ver Joseph C. Aldrich, Amizade: a chave para a evangelização (São Paulo: Vida Nova, 1987). [5] Ginsburg, Um judeu errante no Brasil, p. 139. [6] David J. Hesselgrave, Plantar igrejas – um guia para missões nacionais e transculturais (São Paulo: Vida Nova, 1995). [7] Michael Green, Evangelização na igreja primitiva (São Paulo: Vida Nova, 1989). [8] Ginsburg, Um judeu errante no Brasil, p. 121. [9] Ibid., p. 133. [10] Ginsburg, Um judeu errante no Brasil, p. 226 Trecho da obra de Sérgio Lyra: Cidades do Interior: uma proposta missionária (p. 83-84). • Sérgio Lyra é doutor em Ministérios pelo Reformed Theological Semanary; mestre em Missiologia pelo Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper e bacharel em Ciência da Computação pela UFPE. É coordenador do Departamento de Missiologia do Seminário Presbiteriano do Norte e pastor titular da Primeira Igreja Presbiteriana de Casa Caiada, Olinda (PE), desde 1994. Fonte: Ultimato |
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