João Smyth, que tinha formação teológica em Cambridge, foi pastor anglicano entre 1600 e 1603, tornando-se então puritano e mais tarde, em 1606, separatista. Teve no advogado Tomás Helwys um auxiliar competente na nova igreja por ele iniciada. Com a grande perseguição fomentada por Tiago le após muita discussão na congregação, houve a resolução de emigrarem para a Holanda, onde havia liberdade para os protestantes adorarem a Deus "de acordo com suas próprias premissas" (WHITLEY, W. T. "Thomas Helwys of Gray's Inn and Broxtowe Hal". Londres: Kingsgate Press, s.d., p. 10). Para a viagem até Amsterdā, que ocorreu entre 1607 e 1608, foi fundamental a ajuda financeira de Tomás Helwys. Ali Smyth, que era profundo estudioso das línguas originais da Bíblia, concluiu que o batismo infantil não era escriturístico. "Então chegou à lógica inferência de que o batismo, que ele e a congregação haviam recebido nas igrejas paroquiais da Inglaterra, não tinha valor" (UNDERWOOD, A. C. "A history of the English Baptists". London: The Baptist Union, 1961, p. 37). Smyth conseguiu convencer os membros da congregação a começarem tudo de novo, pelo que ele e Helwys dissolveram o grupo e iniciaram uma nova igreja pelo batismo. Para isso, Smyth batizou a si mesmo e depois a Helwys, e os dois batizaram os demais componentes da igreja, mediante profissão de fé. Isso ocorreu em 1609. A pergunta de muitos é qual a razão de o grupo não se unir aos menonitas que existiam em Amsterdã, conhecidos como Waterlanders. A resposta dada por Helwys mais tarde é que eles não concordavam com a cristologia docética aceita por eles, a qual negava a verdadeira humanidade de Cristo, nem com a sua teoria sucessionista, que afirmava a origem do grupo ainda nos dias apostólicos. Assim eram diferentes em doutrinas e práticas de acordo com a consciência de seus líderes. O desejo era reconstruir uma igreja de acordo com os padrões do Novo Testamento, através do batismo de todos os crentes professos. Até a forma de batismo era secundária, pois à semelhança do que faziam os menonitas em Amsterdā, usaram inicialmente a afusão, ou seja, água derramada na cabeça, e não a aspersão, que é água salpicada, borrifada ou respingada. Também não era imersão, cujo nome é sinônimo de mergulho. Por batizar a si mesmo, alguns afirmam que João Smyth praticou o "sebatismo". Este fato foi duramente criticado pelos seus adversários, levando-o a voltar atrás e pedir e filiação aos menonitas, sendo para isso acompanhado pela maior parte da igreja, ou seja, 15 homens, contando com ele, e 17 mulheres (ibid., p. 39 e 40). Essa filiação não lhe foi concedida, mas seus seguidores a receberam após sua morte, em 1612. Um grupo menor, com cerca de 10 a 12 pessoas, permaneceu batista, sob a liderança de Tomás Helwys, que se tornou pastor. Uma séria controvérsia foi desenvolvida entre Smyth e Helwys, quando este acusou seu ex-companheiro de ter blasfemado contra o Espírito Santo, uma vez que duvidou de sua orientação para se batizar e formar a nova igreja. Nesse período, Smyth providenciou algumas confissões de fé, e em uma delas, escrita em 1911, mas só publicada pelos seus seguidores dois ou três anos depois, apresentou o primeiro escrito nos tempos modernos a defender completa liberdade de consciência, afirmando que o magistrado deve deixar que a religião cristã seja livre de acordo com a consciência de cada um (LUMPKIN, William L. "Baptist confessions of faith". Filadélfia: Judson Press, 1959, p. 140). Por sua vez, Helwys também escreveu vários trabalhos e, finalmente, o livro intitulado "Breve declaração do mistério da iniquidade", publicado em 1612 e em que postulou liberdade religiosa para todos, mesmo para os tiranos e os católicos romanos. Ele declarou nessa obra a disposição de retornar para a Inglaterra, pois cristãos não deveriam fugir de perseguição, mesmo que tivessem de morrer "por Cristo e sua verdade" (HELWYS, Thomas. "A short declaration of the mistery of iniquity", Londres: The Kingsgate Press, 1935, p. 212). Assim, o grupo voltou e se fixou em Spitafields, nas proximidades de Londres, no mesmo ano de 1612, sendo esta a primeira igreja batista em solo inglês. Em uma das cópias do referido livro de Helwys há uma dedicatória ao rei Tiago I onde está a afirmação: "O rei é um homem mortal, e não Deus, pelo que não tem poder sobre as almas imortais de seus súditos. Se o rei tivesse autoridade para determinar senhores e leis espirituais, então ele seria um deus imortal e não um homem mortal" (OLIVEIRA, Zaqueu Moreira de. "Liberdade e exclusivismo". Recife: STBNB Edições, 1997, p. 68). Tal declaração de Helwys, plenamente de acordo com os ideais de liberdade dos nossos dias, foi considerada muito ousada na ocasião, a ponto de levá-lo à prisão por quatro anos, onde morreu em 1616. Não é de admirar que cristãos sofram perseguições, mas é imprescindível que permaneçam fiéis. O apóstolo Paulo recomendou ao jovem Timoteo: "Na verdade, todos os que querem viver uma vida piedosa em Cristo Jesus sofrerão perseguições. (...) Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste e de que foste inteirado, (...) pois desde a infância sabes as Sagradas Letras, que podem fazer-te sábio para a salvação, pela fé que há em Cristo Jesus" (2 Timóteo 3.12-15). A Igreja de Helwys, iniciada no pastorado de Smyth em 1609, foi a primeira igreja batista da qual há continuidade até os dias presentes. O contato com os menonitas, únicos preservadores da tradição anabatista do século XVI e que ainda hoje existem, influenciou a adoção por esses batistas da Teologia Arminiana, o que fez os membros da igreja passarem a ser chamados de Batistas Gerais, já que defendiam a expiação geral ou universal de Cristo. As confissões de fé de seus líderes também negavam o princípio calvinista da preservação dos salvos, ao mencionarem a possibilidade de o crente cair da graça. Independentemente dos Batistas Gerais, uma outra igreja surgiu adotando princípios calvinistas. Veio de uma igreja separatista da Inglaterra, organizada em 1616, conhecida como "Igreja de Jacó", em virtude do nome de seu primeiro pastor. Outros a denominam "Igreja JLJ", lembrando os nomes (não pré-nomes) de seus três primeiros pastores, a saber, Henrique Jacó, João Lathrop e Henrique Jessey. Um grupo, liderado por Samuel Eaton, afastou-se amistosamente em 1633 dessa igreja, por rejeitar o batismo ministrado nas paróquias anglicanas e não por questionar o batismo infantil. Mas em 1638, outro grupo constituído de seis pessoas, liderado por João Spilsbury, também se separou amigavelmente, por chegar à convicção de que o batismo deve ser ministrado apenas a crentes professos, rejeitando, portanto, o batismo infantil. Essa igreja foi conhecida como Batista Particular, por defender a expiação de Cristo apenas para os eleitos e não para todos, rejeitando assim a Teologia Arminiana. Além disso, seus membros aceitaram a segurança dos salvos, que é um princípio calvinista. Foi esse grupo o primeiro a questionar a forma de batismo, pelo que a partir de 1641 passou a adotar imersão. Ricardo Blunt se deslocou para a Holanda para visitar uma igreja menonita do grupo dos Colegiantes fora das imediações de Amsterdã. Esse grupo era imersionista e ali Blunt foi batizado. Ao retornar, ele batizou o mestre da igreja conhecido como Mr. Blacklock, e os dois batizaram 51 outros irmãos. Logo mais os Batistas Gerais também passaram a adotar o batismo por imersão, que se tornou mais um princípio universal dos batistas. Os dois grupos na Inglaterra, apesar da diferença quanto à Teologia Arminiana ou Calvinista, adotaram princípios e práticas semelhantes e se desenvolveram separadamente, até que em 1891 se uniram através da União Batista da Grã-Bretanha e Irlanda. Além do batismo de crentes, batismo por imersão e liberdade religiosa, outros princípios universais caracterizaram os batistas na Inglaterra, e a partir do final da década de 1630, também nos Estados Unidos. Logo mais eles se dirigiram para outros países do mundo, inclusive o Brasil, onde organizaram a primeira igreja batista em 1871. Foi a busca da verdade na Palavra de Deus, conhecida por João Smyth nas línguas originais, que despertou os nossos antepassados em 1609 a tentarem "restituir" o modelo de igreja do Novo Testamento, resultando em um povo chamado batista, que hoje chega a cerca de 100 milhões de pessoas no mundo inteiro. "Então lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras" (Lucas 24.45). Zaqueu Moreira de Oliveira Pastor, escritor e professor do STBNB Publicado em O Jornal Batista de 18/10/2009 |
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